A proliferação dos serviços grátis via Internet é uma realidade cada dia mais presente. O que antes era pago, como acesso a e-mail e a sites de notícias, nos dias de hoje, é visto como um serviço a ser prestado gratuitamente. Talvez essa era “do grátis” tenha se iniciado aqui no Brasil com o surgimento do iG, que passou a oferecer a conexão a Internet de modo gratuito, enquanto seus concorrentes, como o Terra, cobravam por mês por esse serviço, o que causou o maior “bafafa” naquela época.
Só que é como se diz: “não existe almoço grátis”… Isso é a mais pura realidade: se existe um serviço gratuito, com certeza, alguém está pagando essa conta. Não existe milagre e nem caridade quando tratamos de negócios como os que vemos pela Internet. A conta tem que fechar e a empresa precisa dar lucro aos seus acionistas. Isso é o capitalismo.
Por muito tempo se achou que o “almoço grátis” era possível devido à publicidade que essas empresas faziam e fazem de produtos e serviços. E de fato isso traz uma receita às empresas e, pode ser que até no começo, era a principal renda de empresas como Google e Facebook.
Mas com o aumento do poder computacional e com a evolução da tecnologia um novo tipo de negócio se desenvolveu, muito mais interessante e com um potencial bem mais lucrativo: o mercado de dados. A venda e o cruzamento de dados não é uma coisa nova e nem advinda da Internet, mas, com certeza, potencializada e muito por esta.
Há alguns anos atrás se dizia que “na Internet, ninguém sabe se você é um cachorro”. Mas a realidade mudou: hoje não só se sabe que você é um cachorro, como qual é a seu nome, sua raça, sua idade e todos os seus gostos.
Basicamente hoje é possível guardar dados de quais as coisas uma pessoas procura, aquilo que gosta e não gosta, seus hábitos, pessoas com as quais se relaciona e de que forma se relaciona, além de seus dados pessoais, ou seja, tudo sobre ela e o que faz na Internet.
E isso é muito mais poderoso que simplesmente fazer publicidade: é o sonho de qualquer setor de marketing! É fazer publicidade direcionada, sabendo qual pessoa se interessa realmente por aquilo. Muito diferente da propaganda na televisão em que se atinge potenciais interessados, mas muitos que não estão nem aí para aquilo. Ou seja, ganha-se efetividade na sua publicidade. Quem é que nunca reparou que nas propagandas no Facebook aparece itens similares com aquilo que você buscou recentemente no seu navegador?
É como alguns estudiosos da área dizem: se você não está pagando por algum serviço na Internet, saiba que o produto é você! Ou seja, seus hábitos online, seus gostos, suas compras, o que você busca e se interessa, no que você clica, tudo é vendido e cruzado entre diversas bases de dados para te oferecerem uma “melhor experiência” na Internet.
Mas isso não seria bom? Só me oferecerem aquilo que realmente me interessa? Com certeza, há uma comodidade incontestável para a pessoa. As aplicações, sabendo suas preferências, possibilitam que seja bem mais rápido navegar e encontrar o que se deseja.
Mas ainda não vi um problema ai? Por que isso seria ruim? O primeiro ponto aqui é que os dados podem ser usados tanto para o lado bom quanto para o mal. Depois das denúncias de Edward Snowden em que ele mostra ao mundo que a agência americana NSA possui programas de espionagem em massa, o lado negativo desse mercado de dados começa a se mostrar.
A grande desculpa desses programas de espionagem é a prevenção ao terrorismo. Será mesmo? Quando a pessoa espionada é diretora de uma empresa idônea ou o presidente de um país aliado aos Estados Unidos já é passível de desconfiança de que haja interesses bem maiores do que terrorismo, como a espionagem industrial.
Outro ponto negativo pouco discutido é o fato da pessoa passar a viver uma “bolha” em que ela só navega nas coisas em que interessa e é exposta somente a opiniões condizentes com a sua. Conforme as aplicações que você usa vão cruzando informações e montando o seu perfil com seus hábitos e gostos, você fica cada vez mais “preso” dentro de um círculo restrito de informações, serviços, opiniões…
Quem é que nunca percebeu que no Facebook muito dos posts que aparecem na sua linha do tempo são similares com a opinião que você defende e você passa a achar que a maioria das pessoas defende a mesma coisa que você? E às vezes você conversando ao vivo com outra pessoa percebe que ela tem uma percepção de que a maioria defende nas redes sociais uma opinião oposta daquela que você achava? Isso aconteceu muito nas eleições do ano de 2014, certo? Alguns afirmando que não conhecem eleitores de um candidato que ganhou e o oposto também.
Sempre é possível sair da “bolha”, mas primeiro é preciso saber que ela existe e ter a consciência do quanto isso nos limita em relação a nossa visão da realidade. Mas muitos ainda nem perceberam que a “bolha” existe…
Por fim, a questão exposta não é simples de se analisar e não estou defendendo que as empresas estão erradas em fazer o que fazem. O fato é que essa é a realidade e o que proponho é uma reflexão sobre a questão para que haja um uso mais crítico da Internet.